Falsos abusos sexuais são arma de arremesso para afastar os pais

O processo Casa Pia fez disparar as denúncias das mães contra os pais por abuso sexual dos filhos, já na fase de divórcio

Um centro comercial nos arredores de Lisboa onde tantas vezes Daniel toma o pequeno-almoço com o filho. Desta vez é diferente. O miúdo ficou em casa com a empregada que lhes passa a roupa a ferro. O pai vem falar de assuntos confidenciais, talvez um dia lhe conte. Foi acusado pela mãe da criança de abuso sexual do filho, acusações não provadas mas que continuam a pô-lo nervoso. Até porque o tribunal entregou-lhe a criança há três anos mas falta decidir as responsabilidades parentais. “É sempre uma ansiedade, com medo de que alguém o vá buscar à escola.”

O rapaz tem agora nove anos. O pai e a mãe viveram juntos dois antes de ele nascer e seis meses após o nascimento, até que a relação começou a deteriorar-se. Daniel, nome fictício, 50 anos, técnico superior, propôs-lhe a separação e a guarda conjunta do filho. Separaram-se tinha o bebé 1 ano.

Passaram a dividir as idas ao infantário. “Um dia fui buscar o meu filho e ele não estava. Nunca mais apareceu.” Ia fazer 2 anos. O pai queixa-se à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de subtração de menores, arranja um advogado, vai a tribunal pedir as responsabilidades parentais. É, então, que surgem as acusações de violência doméstica. “Apresentaram um relatório de uma associação em que me acusavam de tudo, sem nunca me ouvirem.”

O processo por violência doméstica demorou três anos e meio, tendo sido arquivado por falta de provas. Com outro pelo meio que perdeu por injúrias ao pai da ex-mulher. “Foi antes de o de violência doméstica ser arquivado, o que teria ajudado na defesa. Disse-lhe que era um criminoso por me separar do meu filho. Um pesadelo”, diz Daniel. Já gastou 20 mil euros em advogado e tribunais. Como sobreviveu? “Por amor.”

Com as acusações de violência doméstica, passa a estar com o filho só em visitas vigiadas por uma técnica social através de um vidro. “Aquela mulher humilhava-me.” Mas nunca falhou a visita. “Temia perder o vínculo ao meu filho.”

Parecia estar prestes a acontecer. A criança começa a não querer estar com o pai, mantêm-se as visitas mas era mais o tempo que o miúdo passava com a assistente social. Daniel até compra um carro telecomandado para captar o interesse do filho. Um dia leva os avós paternos, “nunca foram proibidos de ver o neto”, a técnica acaba a visita. Ele faz queixa da funcionária, ela recusa-se a mediar os encontros, que passaram a ser em Sintra, onde residia. “Foi a minha sorte. Eram duas técnicas a acompanhar a visita, o que é muito importante.”

Percebem que a criança não estava bem, aconselham um pedopsiquiatra, que ainda hoje o acompanha. “Teve uma grande evolução, era uma criança fechada, hoje é alegre, feliz”, conta o pai.

É arquivado o caso por violência doméstica, o tribunal pede que se faça a mediação familiar, a cargo da Associação Passo a Passo. “Foi a minha sorte”, diz pela segunda vez. O tribunal decreta que a criança passe uma semana com o pai e outra com a mãe. Tinha 5 anos.

Caso por provar, novas acusações

Já em casa, o pai constata que não só não se tinham quebrado os vínculos parentais, como o filho tinha memórias dos primeiros dois anos de vida em comum. “Na primeira noite fiz uma cama para mim no chão no quarto dele, para se sentir seguro. Ele levantou-se durante a noite para ir à casa de banho. Pergunto porque não acende a luz e responde que não é preciso. É engraçado como saiu tão pequeno e se lembrava.” Tudo correu bem durante dois anos, até surgirem as acusações por abuso sexual do menor. Investiga-se

A ex-mulher relata diálogos em que o filho conta que pai lhe metia “um pau castanho, rosa, na boca e no rabinho”; que “não queria ir para o pai mau”. Ao mesmo tempo, acusa as técnicas que mediavam os encontros de maltratarem a criança, que uma lhe bateu na cabeça. Quer provar os abusos sexuais no hospital. Os médicos não sinalizam mas é dever deles identificar a família para o Ministério Público (MP). “Foi a minha sorte”, diz Daniel pela terceira vez.

A mãe repete as idas ao hospital sempre que o filho regressa da casa do pai, sem se provarem os alegados abusos. Os técnicos começam a duvidar do comportamento dela, ao mesmo tempo que testemunham o bom relacionamento entre pai e filho. Ela deixa de levar a criança ao pai. Ele pede para ver o filho no infantário, o que lhe é concedido. “Só pensava no que iria na cabeça daquela criança. O meu pai aparece e desaparece? Sujeitava-me a tudo para estar com ele.”

Quatro meses depois, o filho é entregue definitivamente ao pai, pela PSP. São decretadas visitas supervisionadas da mãe aos fins de semana e uma pensão de alimentos de cem euros mensais. Isto há três anos. “Nunca mais apareceu, mesmo no tribunal. A guerra era comigo e o menino foi a arma de arremesso. Perdeu, deixou de ter interesse no filho”, resume Daniel, indo ao encontro do que os técnicos definem como alienação parental: os mecanismos de um dos progenitores para evitar que o filho esteja com o outro (ver entrevista à psicóloga Maria Saldanha Pinto).

A guerra pode ter acabado mas não o medo de ficar sem o filho. “O que me preocupava era perder os vínculos com o meu filho. Nem eram as acusações de abuso sexual e o que isso podia implicar para a minha vida profissional.” É técnico superior do Estado e tais denúncias podiam significar o fim do emprego.

Não há estudos em Portugal sobre a dimensão das falsas acusações de abuso sexual. O que se sabe é que, em 2014, dos 549 processos instaurados pela CPCJ por denúncias de abuso sexual, “em 122 o diagnóstico realizado confirmou a existência de situação de abuso sexual”, esclarecem os técnicos da comissão. Significa que 78% foram arquivados. Os que seguem para o MP têm percentagens menores de arquivamento, pouco mais de metade. No ano passado, instauraram 1908 inquéritos, tendo sido arquivados 957. Refira-se que há casos que transitam de um ano para o outro e não se sabe quem fez as queixas e contra quem.

Queixas que se sucedem

Centro do país, um caso de vida semelhante ao de Daniel. As suspeitas de abuso sexual à filha por denúncia da ex-mulher foram arquivadas. Falta regular o poder paternal. Sobra o estigma. Entrevista com o DN marcada, com o compromisso de não revelar a identidade do pai. No próprio dia a mensagem: “Peço desculpa, mas não irei à entrevista. Surgiu uma situação que me deixou incomodado.”

O que o incomodou foram as notícias desse dia: “Menina entregue a pai suspeito de abuso sexual”. Esta criança tem 7 anos e vivia há ano e meio com a mãe numa casa para vítimas de violência doméstica, em Viana do Castelo. Denunciavam a mãe e as técnicas da instituição, como é que a Instância Central de Família e Menores de Faro, onde residia a família, entregou a criança ao homem acusado de abusar sexualmente da filha.

No dia seguinte veio o comunicado da comarca de Faro do MP. Justificam que alteraram as responsabilidades parentais por considerarem ser melhor para a criança. A menina voltou a Faro, para residir com o pai e regressar à escola.

O MP esclarece que tiveram em linha de conta “os inquéritos criminais conexos, pendentes e arquivados”. E pormenoriza o que tem sido uma luta jurídica pela posse da criança após a separação do casal, há cinco anos. “Há três processos em curso envolvendo os dois progenitores: um por violência doméstica e outro por abuso sexual de criança, nos quais é denunciado o pai e um terceiro em que se investiga os crimes de subtração de menor e de maus-tratos, no qual é denunciada a mãe.” E outros seis foram arquivados, três contra a mãe e três contra o pai.

“Este é um exemplo de alienação parental. Logo que um processo é arquivado é reaberto com outra queixa”, diz Luís Miguel Amaral, advogado do pai. Argumenta: “Em teoria, uma criança pode estar até aos 18 anos sem ver o outro progenitor, a não ser que o tribunal decida “basta”.”

Aconteceu com Jaime Roriz, dirigente da Associação Pais para Sempre. A filha vai fazer 18 anos, tinha 1 ano quando deixou de estar com ele devido às acusações de maus-tratos feitas da mãe. Ele perdeu o vínculo com a criança, que deixou de querer estar com o pai. “Decidi que não ia forçar e esperar pela sentença em tribunal, o que ainda não aconteceu. Paguei por isso, a minha filha cresceu sem pai, mas passados estes anos acho que fiz bem”, acredita. Quando a filha for maior vai tentar reatar o contacto e apresentar queixa contra o Estado junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

É advogado e há dez anos que faz mediação familiar: “As crianças são sempre as vítimas, os pais acham que estão a fazer mal ou ao outro, mas na realidade estão a fazer mal aos filhos.” Um dos progenitores, “em geral a mãe”, sublinha Jaime Roriz, tenta afastar o outro da criança. “Primeiro diz que este não tem condições, depois queixa-se de violência doméstica e, esgotando essas possibilidades, vai para os abusos sexuais. Sempre que há uma acusação destas, o tribunal impede as visitas. Normalmente, demora três a quatro anos a concluir o processo, já a criança não quer voltar.”

Voltando à família de Faro, também o pai tem recorrido aos tribunais. “Se as visitas não acontecem, se a pessoa é maltratada, tem de apresentar queixa”, argumenta Luís Amaral, sublinhando: “A decisão do tribunal resulta de duas coisas. Não se provaram os abusos e concluiu-se que havia alienação parental por parte daquela mulher. O pai esteve oito meses sem saber se a filha estava viva ou morta.”

Entregar uma criança ao homem é uma decisão pouco habitual, diz o advogado, mas acredita que as coisas estão a mudar: “Até porque cada vez há mais homens que não desistem dos filhos.”

Magistrados estão a mudar

A psicóloga forense Rute Agulhas confirma a alteração de atitude por parte dos juízes. “Antigamente, mal uma mãe acusava o pai de abusos sexuais, decidia-se pela interrupção das visitas para proteger a criança. Agora, quando a acusação é pouco consistente, mantêm-se as visitas embora vigiadas, para que os contactos não sejam quebrados.” Trabalha no Instituto Nacional de Medicina Legal e avalia o comportamento das crianças, “já que a maioria das perícias médico-legais em suspeitas de abusos sexuais revelam-se inconclusivas”.

“Amorzinho” é como Joaquim trata a filha com quem deixou de viver desde que se separou da ex–companheira, em 2012. Um português e uma polaca encontraram-se em Inglaterra e viveram juntos quatro anos. Até que decidiram vir para Portugal. Ela sugere que ele venha à frente para preparar a instalação. “De um dia para o outro decidiu que não queria viver comigo”, explica o empresário do Porto, 50 anos. Tinha a filha 2, hoje tem 7 anos.

Separados, Joaquim vai três a quatro vezes a Inglaterra para estar com a filha. Em 2014 decidem experimentar a vinda da criança a Portugal nas férias. O pai conta que as visitas correram bem, mostra o vídeo do Natal em casa da família paterna e a diversão da criança a entregar os presentes.

É, então, que as coisas mudam. “Não sei se foi o facto de a menina dizer que tinha muitas saudades, que gostava de estar em Portugal. Não sei se isso fez que a mãe temesse que ela quisesse viver comigo”, imagina Joaquim.

A mãe vai com a filha a uma psicóloga polaca e com as suspeitas de abusos sexuais por parte do pai a técnica alerta os serviços sociais ingleses. Proíbem-se as vindas a Portugal e Joaquim só pode ver a filha em visitas vigiadas pela mãe.

“As crianças são curiosas e é aos progenitores que se dirigem para satisfazer essa necessidade de aprendizagem. Foi assim que sempre me comportei com a minha filha e, por isso, nunca tive problemas de responder às suas perguntas, de uma forma adequada à idade, ou em estar nu em frente dela”, explica. É esse comportamento que é posto em causa.

Neste ano, Joaquim viajou para Inglaterra duas vezes, a última em fevereiro. Está marcada nova viagem este mês, para a primeira audiência do processo. “Não sei o que se vai passar, nunca fui ouvido. O meu advogado pediu explicações e não obteve resposta”, informa. Tem poucas esperanças de voltar a viver com a filha. “Em geral, os tribunais não alteram as decisões dos serviços sociais.” Promete ir até Bruxelas se isso acontecer.

Ricardo Simões preside à Associação para a Igualdade Parental e denuncia a discriminação que diz existir para com os pais. “A alienação parental não é uma questão de género, é de quem tem poder sobre as crianças. E enquanto não tratarem as falsas denúncias de violência doméstica e de assédio sexual, as verdadeiras vítimas continuam a ser a s crianças”, acusa.

O que mais magoa Joaquim “é a crueldade de uma mãe, ao usar uma filha, que é inocente e não sabe o que lhe está a acontecer, para atingir outra pessoa.

in http://www.dn.pt/sociedade/interior/falsos-abusos-sexuais-sao-arma-de-arremesso-para-afastar-os-pais-5063284.html

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